Por Anderson Barbosa
Foto: Reprodução Tv Sergipe |
Não tem pauta melhor do que àquela pensada pelo próprio repórter.
Sensação ainda mais gratificante é quando a nossa ideia é abraçada por toda a
equipe. Foi assim com a matéria sobre os Moradores de Rua que vivem em
Aracaju exibida nos telejornais SETV1 e SETV2 da Tv Sergipe, afiliada à
Rede Globo, onde trabalho há 7 anos.
Todos os finais de tardes, a caminho da emissora, passo pelo centro
comercial já no final do expediente. A grande maioria das lojas está com as
portas fechadas e um outro tipo de comércio entra em cena. São dezenas de
camelôs ofertando produtos do Paraguai a preço de banana, sem as garantias de
um que chega ao país dentro das normas legais, mas que quebram o galho de muita
gente, nem que seja de forma paliativa.
Naquela segunda-feira, daquele 19 de agosto, viveria mais uma experiências marcante em minha vida profissional ao lado
dos colegas Cleones Santos (repórter cinematográfico) e Alex Brum (motorista). Afinal, quantas vezes reclamos da comida que
chega a nossa mesa, da cama que não foi coberta com o lençol predileto ou
ainda, reclamamos de passar uma noite
sem o ar-condicionado. É até vergonhoso olhar tais situações como problemas ,
ainda mais quando observamos esta gente sorri por receber um simples prato de
comida, o primeiro do dia, assim como foi para seu Ginaldo após o café
reforçado feito por voluntários que todas às noites partilham o fruto de
doações de tantos que se sentem felizes em matar a fome desses abnegados.
Foto: Reprodução Tv Sergipe |
Há meses tinha buscado neste caminho uma forma de contar a rotina ignorada
por alguns membros da sociedade, mas que segundo a Prefeitura de Aracaju são
mais de 400 pessoas vivendo nestas condições conforme um cadastro municipal.
Após cruzar o calçadão, sigo ao lado do maior prédio da capital, o do
Estado de Sergipe ou Maria Feliciana como é mais conhecido - uma homenagem à
mulher mais alta de Sergipe. Nos próximos 300 metros a caminhada é por uma
cidade que parte das milhares de pessoas que cruzam o centro comercial todos os
dias não imaginam existir.
Às calçadas cobertas por todos os tipos de sujeira acumuladas ao longo
do dia são transformadas em alojamentos, tomadas por pessoas que não têm onde
morar, nem para aonde ir e fazem das ruas seu lugar de descanso. Aqui não se
faz muita exigência: papelão no chão, lençol - para os que têm - e a esperança
de dormir e acordar bem na manhã seguinte.
A paz nas ruas é uma incerteza perdurada pela noite e madrugada. Foi num
desses dias que o alagoano Pedro Ambrósio, 35 anos, pai de 5 filhos acordou
sendo alvejado por um homem enfurecido o qual deu vários golpes de facada. Por
sorte, o desempregado conseguiu sobreviver e hoje ainda tenta entender o que
provocou àquela atitude agressiva.
Seu Ginaldo Santos, um ex-trabalhador rural em Ilha das Flores (SE),
trocou há 4 anos o campo pela capital na esperança de melhorar de vida. "A
gente trabalhava e depois quem passou a
fazer tudo foram as máquinas. Aí ficou ruim de trabalho, aí eu vim aqui para
Aracaju", relembra.
O tempo foi passando e a minha frente juntou um grupo de moradores que
no primeiro contato não parecia a vontade com a câmera e o microfone, nossos
instrumentos de trabalho. Depois de terem a certeza que nossa presença tinha a
melhor das intenções, eles começam a disparar informações.
Foto: Reprodução Tv Sergipe |
Seguimos na direção do INSS e na metade do caminho observamos que a vida nas ruas
provoca traumas que mexem com a razão, provocam a loucura... Numa marquise encontramos
duas senhoras, uma delas encostada num saco repleto de latinhas de alumínio catadas
durante o dia. Aquele amontoado de material reciclável servia como travesseiro.
Sentei ao lado dela e com uma gentileza daquelas de quem estava a procura de
alguém para conversar foi logo respondendo minhas perguntas.
As informações eram desconexas, realidade e ilusão trilhavam um mesmo
pensamento. A mulher disse ter 61 anos e demonstrou domínio em pelo menos duas
línguas: Espanhol e Inglês. Fez até questão de cantar e
traduzir uma música, uma espécie de oração, de clamor a Deus.
O frio parecia tomar as ruas vazias de Aracaju. Por voltas das 20h a
chuva marcou presença naquele noite de inverno. E se tem chuva na cidade,
para os moradores de rua é motivo de preocupação. Com rajadas de vento, a
sensação térmica é de um frio que a mente humana nem sempre interpreta da mesma forma que os termômetros.
Seguimos para outro ponto da cidade, agora próximo aos mercados centrais.
Pelos menos 10 pessoas estavam sob as marquises de lojas, cobertas por
lençóis... A posição fetal ajudava a manter o corpo aquecido.
Num barraco improvisado, avistamos uma senhora de nome Socorro que
estava acompanhada do esposo, um senhor de pouca conversa. Há três
meses o casal passou a morar na rua, apesar do marido passar o dia inteiro fazendo bicos.
Encolhida no barraco, protegida por lençóis e papelões cercando a construção improvisada
no meio da calçada tentei falar com Socorro sobre a chuva e a queda na temperatura.
"O frio aumenta na madrugada. Aí a gente cobre com papelão e fica
normal", explicou ainda com um sorriso no rosto, seguido por um olhar
preocupado com a impaciência do marido, irritado com a minha insistência.
Nesta mesma noite encontrei o médico infectologista Marco Aurélio, o
qual explicou que a vida nestas condições faz cresce o número de problemas de saúde nesta
população. "O frio aumenta o risco das pneumonias e infecções
respiratórias que também desenvolvem o risco de outras doenças, como a
tuberculose. A imunidade diminui ainda mais quando associam tudo isso ao uso de
drogas como o crack".
Foto: Reprodução Tv Sergipe |
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no
país cerca de 1,8 milhão de pessoas vivem nas ruas. Um contingente que
representa entre 0,6% e 1% da população. Um povo nem sempre compreendido.
"Essas pessoas muitas vezes sofrem decepções familiares. São frutos do
alcoolismo, sofrem com as drogas, abandonam os lares e não têm condições de
psicológicas, nem sociais de enfrentar os problemas, por isso, passam a viver
nas ruas e são marginalizadas pela sociedade", contou o mestre em comunicação
e cultura Gilton Kenedy.
Durante a nossa reportagem encontramos dona Maria José, uma catadora de
materiais recicláveis que tira do trabalho uma renda de R$ 200,00/ mês. É com
este dinheiro que paga as contas do barraco comprado há 4 anos na região Norte
de Aracaju. Da conversa que tivemos, o que mais chamou a atenção foi o fato dela está também há 4 anos
lutando para conseguir algum benefício do Governo Federal.
A situação de onda Maria José é um problema que afeta outras
4,8 milhões de pessoas no Brasil vivendo em condições de extrema pobreza,
com renda mensal domiciliar igual a
zero. Pouco mais de 11 milhões possuem a renda de R$ 1,00 a R$ 70,00 por mês,
segundo o IBGE/2011. E é justamente esta desigualdade social o principal fator
que leva muita gente a morar nas ruas.