quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O Grito que Vem das Ruas...


Por Anderson Barbosa


Foto: Reprodução Tv Sergipe


Não tem pauta melhor do que àquela pensada pelo próprio repórter. Sensação ainda mais gratificante é quando a nossa ideia é abraçada por toda a equipe. Foi assim com a matéria sobre os Moradores de Rua que vivem em  Aracaju exibida nos telejornais SETV1 e SETV2 da Tv Sergipe, afiliada à Rede Globo, onde trabalho há 7 anos.

Todos os finais de tardes, a caminho da emissora, passo pelo centro comercial já no final do expediente. A grande maioria das lojas está com as portas fechadas e um outro tipo de comércio entra em cena. São dezenas de camelôs ofertando produtos do Paraguai a preço de banana, sem as garantias de um que chega ao país dentro das normas legais, mas que quebram o galho de muita gente, nem que seja de forma paliativa.


Cleones Santos, um repórter cinematográfico que vive a reportagem, tem amor pelo que faz...
 
Naquela segunda-feira, daquele 19 de agosto, viveria mais uma experiências  marcante em minha vida profissional ao lado dos colegas Cleones Santos (repórter cinematográfico) e Alex Brum (motorista).  Afinal, quantas vezes reclamos da comida que chega a nossa mesa, da cama que não foi coberta com o lençol predileto ou ainda,  reclamamos de passar uma noite sem o ar-condicionado. É até vergonhoso olhar tais situações como problemas , ainda mais quando observamos esta gente sorri por receber um simples prato de comida, o primeiro do dia, assim como foi para seu Ginaldo após o café reforçado feito por voluntários que todas às noites partilham o fruto de doações de tantos que se sentem felizes em matar a fome desses abnegados.

Foto: Reprodução Tv Sergipe

Há meses tinha buscado neste caminho uma forma de contar a rotina ignorada por alguns membros da sociedade, mas que segundo a Prefeitura de Aracaju são mais de 400 pessoas vivendo nestas condições conforme um cadastro municipal.

Após cruzar o calçadão, sigo ao lado do maior prédio da capital, o do Estado de Sergipe ou Maria Feliciana como é mais conhecido - uma homenagem à mulher mais alta de Sergipe. Nos próximos 300 metros a caminhada é por uma cidade que parte das milhares de pessoas que cruzam o centro comercial todos os dias não imaginam  existir.

Às calçadas cobertas por todos os tipos de sujeira acumuladas ao longo do dia são transformadas em alojamentos, tomadas por pessoas que não têm onde morar, nem para aonde ir e fazem das ruas seu lugar de descanso. Aqui não se faz muita exigência: papelão no chão, lençol - para os que têm - e a esperança de dormir e acordar bem na manhã seguinte.

A paz nas ruas é uma incerteza perdurada pela noite e madrugada. Foi num desses dias que o alagoano Pedro Ambrósio, 35 anos, pai de 5 filhos acordou sendo alvejado por um homem enfurecido o qual deu vários golpes de facada. Por sorte, o desempregado conseguiu sobreviver e hoje ainda tenta entender o que provocou àquela atitude agressiva.

Seu Ginaldo Santos, um ex-trabalhador rural em Ilha das Flores (SE), trocou há 4 anos o campo pela capital na esperança de melhorar de vida. "A gente trabalhava  e depois quem passou a fazer tudo foram as máquinas. Aí ficou ruim de trabalho, aí eu vim aqui para Aracaju", relembra.

O tempo foi passando e a minha frente juntou um grupo de moradores que no primeiro contato não parecia a vontade com a câmera e o microfone, nossos instrumentos de trabalho. Depois de terem a certeza que nossa presença tinha a melhor das intenções, eles começam a disparar informações.

Foto: Reprodução Tv Sergipe
 
Seguimos na direção do INSS e na metade do caminho observamos que a vida nas ruas provoca traumas que mexem com a razão, provocam a loucura... Numa marquise encontramos duas senhoras, uma delas encostada num saco repleto de latinhas de alumínio catadas durante o dia. Aquele amontoado de material reciclável servia como travesseiro. Sentei ao lado dela e com uma gentileza daquelas de quem estava a procura de alguém para conversar foi logo respondendo minhas perguntas.

As informações eram desconexas, realidade e ilusão trilhavam um mesmo pensamento. A mulher disse ter 61 anos e demonstrou domínio em pelo menos duas línguas: Espanhol e Inglês. Fez até questão de cantar e traduzir uma música, uma espécie de oração, de clamor a Deus.

O frio parecia tomar as ruas vazias de Aracaju. Por voltas das 20h a chuva marcou  presença naquele noite de inverno. E se tem chuva na cidade, para os moradores de rua é motivo de preocupação. Com rajadas de vento, a sensação térmica é de um frio que a mente humana  nem sempre interpreta da mesma forma que os termômetros.

Seguimos para outro ponto da cidade, agora próximo aos mercados centrais. Pelos menos 10 pessoas estavam sob as marquises de lojas, cobertas por lençóis... A  posição fetal ajudava a manter o corpo aquecido.

Num barraco improvisado, avistamos uma senhora de nome Socorro que estava acompanhada do esposo, um senhor de pouca conversa. Há três meses o casal passou a morar na rua, apesar do marido passar o dia inteiro fazendo bicos.

Encolhida no barraco, protegida por lençóis e papelões cercando a construção improvisada no meio da calçada tentei falar com Socorro sobre a chuva e a queda na temperatura. "O frio aumenta na madrugada. Aí a gente cobre com papelão e fica normal", explicou ainda com um sorriso no rosto, seguido por um olhar preocupado com a impaciência do marido, irritado com a minha insistência.

Nesta mesma noite encontrei o médico infectologista Marco Aurélio, o qual explicou que a vida nestas condições faz cresce o número de problemas de saúde nesta população. "O frio aumenta o risco das pneumonias e infecções respiratórias que também  desenvolvem o risco de outras doenças, como a tuberculose.  A imunidade diminui ainda mais quando associam tudo isso ao uso de drogas como o crack".

Foto: Reprodução Tv Sergipe


Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no país cerca de 1,8 milhão de pessoas vivem nas ruas. Um contingente que representa entre 0,6% e 1% da população.  Um povo nem sempre compreendido. "Essas pessoas muitas vezes sofrem decepções familiares. São frutos do alcoolismo, sofrem com as drogas, abandonam os lares e não têm condições de psicológicas, nem sociais de enfrentar os problemas, por isso, passam a viver nas ruas e são marginalizadas pela sociedade", contou o mestre em comunicação e cultura Gilton Kenedy.

Durante a nossa reportagem encontramos dona Maria José, uma catadora de materiais recicláveis que tira do trabalho uma renda de R$ 200,00/ mês. É com este dinheiro que paga as contas do barraco comprado há 4 anos na região Norte de Aracaju. Da conversa que tivemos, o que mais chamou a atenção foi o fato dela está também há 4 anos lutando para conseguir algum benefício do Governo Federal.

A situação de onda Maria José é um problema que afeta outras  4,8 milhões de pessoas no Brasil vivendo em condições de extrema pobreza,  com renda mensal domiciliar igual a zero. Pouco mais de 11 milhões possuem a renda de R$ 1,00 a R$ 70,00 por mês, segundo o IBGE/2011. E é justamente esta desigualdade social o principal fator que leva muita gente a morar nas ruas.


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