quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Pauta Amiga, Muito aprendizado...



Por Anderson Barbosa
  
Entrar na redação, encontrar a produtora e pegar a pauta. Parece uma tarefa simples, e é. A sequência destas ações culmina com uma conclusão, às vezes precipitada, mas  que dá noção ao repórter se ele terá uma jornada para cumprir de forma corrida ou com mais tempo, com um largo sorriso no rosto.  Há exatos 8 anos de formação em Jornalismo já vivenciei as duas situações inúmeras vezes...


Foto: Arquivo Pessoal


Quando a gente se forma sonha com um cotidiano semelhante ao vislumbrado nos contos dos livros onde tudo é perfeito. Porém, a realidade nem sempre nos presenteia com as pautas tão desejadas( meus primeiros anos no Jornalismo foram enfrentando as áreas que nunca tive boa relação. Muitas vezes as reencontro, tento superar os traumas (risos)). Perdi as contas de quantas vezes falei mal da produção, do encaminhamento sugerido na pauta, das vontades de esganar mentalmente  a editora e as centenas de vezes que fiquei sem saber como agir diante das letrinhas loucas que pareciam querer  devorar meu juízo. E nem sempre temos a razão...

Alegrias e tristezas, tristezas e alegrias... Hoje, quero falar daquelas pautas que enchem  os olhos de brilho, instigam lágrimas de felicidade e estampam um imenso sorriso na cara – daqueles feito criança quando recebe um doce ou é informada que a brincadeira não tem hora para acabar.

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Quarta-feira, 20 de março de 2013. Aparentemente era mais um dia como outro qualquer. Repeti todos os passos na redação da Tv Sergipe ( Afiliada da Globo, em Aracaju/SE), e ao ler a retranca da pauta (onde aparece o tema da matéria)  percebi que estava diante da área que tanto gosto: inclusão social.

A pauta, que nada mais é do que um roteiro com dados e endereços dos entrevistados, trazia informações do pediatra e geneticista Zan Mustacchi, chefe do Departamento de Genética do Hospital Estadual Infantil Darcy Vargas: “Por ano nascem no Brasil cerca de cinco mil pessoas com a síndrome de down” .

Naquele instante um turbilhão de ideias começou a surgir, expectativas do que encontraria naquela tarde e de como poderia transformar as informações numa reportagem envolvente, emocionante...

O sorriso largo - que me acompanhou durante toda a jornada - era perceptível à todos. Colegas de profissão, motoristas, editores... Quem encontrava pela frente não tinha dúvida: o canto que saia da minha boca era de felicidade. Naquela quarta-feira, véspera do Dia Internacional da Síndrome de Down , conheci pessoas e realidades exemplos de que nunca devemos parar. Não importa a barreira.

Gabriel quer ser marinheiro


O primeiro contato foi com um jovem como outro qualquer, não fossem os traços da deficiência vistos de longe. Gabriel Santana, 16 anos, é aluno do 9 do Ensino Fundamental, sonha em ser marinheiro. Para realizar o desejo sabe que precisa de dedicação. "Eu sou bom aluno, estudo muito, respeito meus colegas e professores", diz Gabriel.

A professora de nome Eugênia tinha a missão de ensinar, mas com Gabriel foi mais aluna do que mestra.  “No início enfrentei dificuldade porque não tinha a formação para trabalhar com pessoas com deficiência, mas ele me ensinou  cada passo, como   desenvolvê-lo. É muito bom esta troca experiência com o Gabriel”, relata emocionada Eugênia Pereira .


"É muito bom esta troca experiência com o Gabriel” - Eugênia Pereira


A mãe do Gabriel também estava por lá, registrava o nosso trabalho e parecia encantada com o filho nada inibido. Ele cantou o sucesso sertanejo do momento no Brasil “Camaro Amarelo”, fez declaração de amor para a família e para uma suposta namoradinha. As gargalhadas que o jovem arrancou na sala de aula, escondiam um passado de muita luta firmado na legislação brasileira, uma das mais ricas do mundo. "A primeira escola era pequena e não tinha o cuidado e um tratamento de que ele necessitava. Gabriel ficava isolado, sem interagir com a turma”, revelou dona  Ana Paula Santana Santos Ferreira, uma assistente social que nunca desistiu do filho.

Nossa equipe seguiu pelos corredores da escola particular, localizada na zona sul de Aracaju, para gravar mais uma entrevista. No final de um deles encontrei Alice  de 4 anos , filha da pedagoga Carla Eugênia, e uma das professoras da instituição. A menina pintava um desenho.

Ao ver a mãe, Alice ficou encantada. As poucas horas que separaram foram suficientes para provocar uma saudade que só o amor de filha para com a mãe pode explicar. O repórter-cinematográfico Marcos Ricart, conhecido no meio jornalístico como Ceará, registrou tudo... inclusive as minhas tentativas de entrevistar a Carla com a pequena no braço. Para Alice, a espuma do microfone virou objeto de brincadeira e por várias vezes tivemos de parar.  

"Eu acredito na potencialidade da Alice" - Carla Eugênia

As tentativas seguiram, agora para arrancar algumas palavras da menina que não estava preocupada com a entrevista.  (Nessas horas é preciso ser como elas. Entrar na brincadeira e fazer a conquista. Não é fácil, e nem sempre consigo). Até que finalmente veio a frase esperada: “mamãe eu te amo”, alguns ensaios foram necessários (rs)Há quatro anos a pedagoga  não imaginava viver  momentos como este com a segunda filha, que  nasceu com síndrome de down e  trouxe mudanças para ela. Hoje, Alice é uma criança feliz, Carla uma mulher com um tesouro nas mãos. "Tive que reaprender.  Passei os quatro meses da licença maternidade lendo tudo sobre a síndrome, buscando informações com amigosVivi  a fase do luto, chorei muito, mas corri atrás e ainda estou buscando o melhor para minha filha. Eu acredito na potencialidade dela e tudo será feito dentro do tempo da Alice”, desabafa emocionada.

O nosso encontro com o a última família ocorre do outro lado da cidadã, na zona norte de Aracaju.  Na casa em reforma encontro a família de dona Gisélia dos Santos,  que já  estavam a minha espera.  Gisélia estava uma de suas filhas e o Igor Eduardo, de três anos, garoto que nasceu com a síndrome.  A mãe conta que a filha, Elenise, é o braço direito dela. A moça cuida do garoto, enquanto  a dona de casa prepara o almoço da família ou vai à escola. Isso mesmo,  depois de décadas sem estudar decidiu frequentar as aulas do projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e cursa o primeiro no do Ensino Médio. “Voltei para ajudá-lo, para saber o que ele precisa e entender um pouco mais a reação das pessoas diante dele. Foi difícil, mas tô conseguindo”, conta empolgada.  (Desculpa a falha do repórter... não tive como segurar a emoção e acabei por esquecer algumas regras do bom Jornalismo. Sequer  perguntei  a idade dela. Para não cometer outra falha, nem vou arriscar uma idade)

Foto: Arquivo Pessoal


Já era noite quando voltei à redação louco para escrever o que tinha aprendido naquela jornada prazerosa. Cada olhar lançado, cada palavra dita, tudo ecoava na minha mente, no coração. Neste momento já não sabia mais separar o jornalista do cidadão. Guardei o beijo carinhoso no rosto da pequena Alice, uma menina que do seu jeito conquista seu espaço na sociedade e no coração de todos os que se aproximam.




Fotos sem identificação: Reprodução Tv Sergipe

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