Por Anderson Barbosa
Entrar na redação, encontrar a
produtora e pegar a pauta. Parece uma tarefa simples, e é. A sequência destas
ações culmina com uma conclusão, às vezes precipitada, mas que dá noção
ao repórter se ele terá uma jornada para cumprir de forma corrida ou com mais
tempo, com um largo sorriso no rosto. Há exatos 8 anos de formação em
Jornalismo já vivenciei as duas situações inúmeras vezes...
Foto: Arquivo Pessoal |
Quando a gente se forma sonha com um
cotidiano semelhante ao vislumbrado nos contos dos livros onde tudo é perfeito.
Porém, a realidade nem sempre nos presenteia com as pautas tão desejadas(
meus primeiros anos no Jornalismo foram enfrentando as áreas que nunca tive boa
relação. Muitas vezes as reencontro, tento superar os traumas (risos)).
Perdi as contas de quantas vezes falei mal da produção, do encaminhamento
sugerido na pauta, das vontades de esganar mentalmente a editora e
as centenas de vezes que fiquei sem saber como agir diante das letrinhas loucas
que pareciam querer devorar meu juízo. E nem sempre temos a razão...
Alegrias e tristezas, tristezas e
alegrias... Hoje, quero falar daquelas pautas que enchem os olhos de
brilho, instigam lágrimas de felicidade e estampam um imenso sorriso na cara –
daqueles feito criança quando recebe um doce ou é informada que a brincadeira
não tem hora para acabar.
* **
Quarta-feira, 20 de março de 2013.
Aparentemente era mais um dia como outro qualquer. Repeti todos os passos na
redação da Tv Sergipe ( Afiliada da Globo, em Aracaju/SE), e ao ler
a retranca da pauta (onde aparece o tema da matéria) percebi
que estava diante da área que tanto gosto: inclusão social.
A pauta, que nada mais é do que um roteiro
com dados e endereços dos entrevistados, trazia informações do pediatra e
geneticista Zan Mustacchi, chefe do Departamento de Genética do Hospital
Estadual Infantil Darcy Vargas: “Por ano nascem no Brasil cerca de cinco mil
pessoas com a síndrome de down” .
Naquele instante um turbilhão de ideias
começou a surgir, expectativas do que encontraria naquela tarde e de como
poderia transformar as informações numa reportagem envolvente, emocionante...
O sorriso largo - que me acompanhou
durante toda a jornada - era perceptível à todos. Colegas de profissão,
motoristas, editores... Quem encontrava pela frente não tinha dúvida: o canto que
saia da minha boca era de felicidade. Naquela quarta-feira, véspera do Dia
Internacional da Síndrome de Down , conheci pessoas e realidades exemplos de
que nunca devemos parar. Não importa a barreira.
Gabriel quer ser marinheiro |
O primeiro contato foi com um
jovem como outro qualquer, não fossem os traços da deficiência vistos de longe.
Gabriel Santana, 16 anos, é aluno do 9 do Ensino
Fundamental, sonha em ser marinheiro. Para realizar o desejo sabe que precisa
de dedicação. "Eu sou bom aluno, estudo muito, respeito meus colegas e
professores", diz Gabriel.
A professora de nome Eugênia tinha a
missão de ensinar, mas com Gabriel foi mais aluna do que mestra. “No
início enfrentei dificuldade porque não tinha a formação para trabalhar com
pessoas com deficiência, mas ele me ensinou cada passo,
como desenvolvê-lo. É muito bom esta troca experiência com o
Gabriel”, relata emocionada Eugênia Pereira .
"É muito bom esta troca experiência com o Gabriel” - Eugênia Pereira |
A mãe do Gabriel também estava por lá,
registrava o nosso trabalho e parecia encantada com o filho nada inibido. Ele
cantou o sucesso sertanejo do momento no Brasil “Camaro Amarelo”, fez
declaração de amor para a família e para uma suposta namoradinha. As
gargalhadas que o jovem arrancou na sala de aula, escondiam um passado de muita
luta firmado na legislação brasileira, uma das mais ricas do mundo. "A
primeira escola era pequena e não tinha o cuidado e um tratamento de que ele
necessitava. Gabriel ficava isolado, sem interagir com a turma”, revelou dona
Ana Paula Santana Santos Ferreira, uma
assistente social que nunca desistiu do filho.
Nossa equipe seguiu pelos corredores da
escola particular, localizada na zona sul de Aracaju, para gravar mais uma
entrevista. No final de um deles encontrei Alice de 4 anos , filha
da pedagoga Carla Eugênia, e uma das professoras da instituição. A menina
pintava um desenho.
Ao ver a mãe, Alice ficou encantada. As
poucas horas que separaram foram suficientes para provocar uma saudade que só o
amor de filha para com a mãe pode explicar. O repórter-cinematográfico Marcos
Ricart, conhecido no meio jornalístico como Ceará, registrou tudo... inclusive as minhas tentativas de
entrevistar a Carla com a pequena no braço. Para Alice, a espuma do microfone
virou objeto de brincadeira e por várias vezes tivemos de parar.
"Eu acredito na potencialidade da Alice" - Carla Eugênia |
As tentativas seguiram, agora para
arrancar algumas palavras da menina que não estava preocupada com a
entrevista. (Nessas horas é preciso ser como elas. Entrar na
brincadeira e fazer a conquista. Não é fácil, e nem sempre consigo). Até
que finalmente veio a frase esperada: “mamãe eu te amo”, alguns ensaios foram necessários (rs). Há
quatro anos a pedagoga não imaginava viver momentos como
este com a segunda filha, que nasceu com síndrome de down
e trouxe mudanças para ela. Hoje, Alice é uma criança feliz, Carla
uma mulher com um tesouro nas mãos. "Tive que
reaprender. Passei os quatro meses da licença maternidade lendo tudo
sobre a síndrome, buscando informações com amigos. Vivi a
fase do luto, chorei muito, mas corri atrás e ainda estou buscando o melhor
para minha filha. Eu acredito na potencialidade dela e tudo será feito dentro
do tempo da Alice”, desabafa emocionada.
O nosso encontro com o a última família
ocorre do outro lado da cidadã, na zona norte de Aracaju. Na casa em
reforma encontro a família de dona Gisélia dos Santos, que já
estavam a minha espera. Gisélia estava uma de suas filhas e o Igor
Eduardo, de três anos, garoto que nasceu com a síndrome. A mãe conta
que a filha, Elenise, é o braço direito dela. A moça cuida do garoto,
enquanto a dona de casa prepara o almoço da família ou vai à escola.
Isso mesmo, depois de décadas sem estudar decidiu frequentar as aulas
do projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e cursa o primeiro no do
Ensino Médio. “Voltei para ajudá-lo, para saber o que ele precisa e entender
um pouco mais a reação das pessoas diante dele. Foi difícil, mas tô
conseguindo”, conta empolgada. (Desculpa a falha do
repórter... não tive como segurar a emoção e acabei por esquecer algumas regras
do bom Jornalismo. Sequer perguntei a idade dela. Para não cometer
outra falha, nem vou arriscar uma idade)
Foto: Arquivo Pessoal |
Já era noite quando voltei à redação
louco para escrever o que tinha aprendido naquela jornada prazerosa. Cada olhar
lançado, cada palavra dita, tudo ecoava na minha mente, no coração. Neste
momento já não sabia mais separar o jornalista do cidadão. Guardei o beijo
carinhoso no rosto da pequena Alice, uma menina que do seu jeito conquista seu
espaço na sociedade e no coração de todos os que se aproximam.
Fotos sem identificação: Reprodução Tv Sergipe
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